sexta-feira, janeiro 16, 2009

PALESTINIANOS: OS NOVOS JUDEUS?

Devido à actualidade e lucidez do tema, transcrevemos este excelente artigo publicado ontem no jornal Público online e escrito por uma das destacadas líderes da comunidade israelita em Lisboa, Portugal, a D. Esther Mucznik.
Este artigo foi transcrito com a permissão escrita da autora. Agradecemos ao amigo Avelino Vieira o envio do mesmo.

Os palestinianos, os novos judeus?
Os palestinianos são vítimas do mundo árabe que sempre os instrumentalizou e dos seus próprios dirigentes,
por Esther Mucznik 15.01.2009 - 17h18 in JORNAL PÚBLICO on line

Com frequência, e nomeadamente em tempo de guerra, surgem as acusações ao Exército e Governo israelita de utilizar os mesmos métodos dos nazis face aos judeus durante a II Guerra. Não me refiro ao mundo árabe e muçulmano, onde a negação do Holocausto faz parte da ideologia dominante de deslegitimação do Estado de Israel. Refiro-me, sim, à Europa, onde este tipo de acusações tem cada vez mais sucesso e onde estão em passe de assumir um carácter de respeitabilidade. Quem esteve atento às recentes manifestações ditas "a favor da paz" por toda a Europa constatou-o mais uma vez: a estrela de David em paralelo com a cruz suástica, espantalhos de Hitler com as figuras de dirigentes israelitas, palavras de ordem tiradas do léxico nazi, como "Judeus raus [fora] da Palestina", comparações de Gaza com campos de concentração ou dos "combatentes" do Hamas com os do gueto de Varsóvia. O objectivo é fazer crer que os palestinianos de hoje são os judeus de ontem. É identificar os judeus de hoje com a referência máxima do mal. É despojá-los do seu bem mais precioso - a sua própria memória e identidade.
Os palestinianos, os novos judeus? Será necessário lembrar o que foi o Holocausto? Será necessário evocar a política deliberadamente genocida da Alemanha nazi? Será necessário lembrar a diferença entre um campo de concentração onde se morria de exaustão ou nas câmaras de gás e os campos de refugiados palestinianos onde a actividade mais rentável é escavar túneis de contrabando de armas para atacar deliberadamente civis israelitas? Será necessário lembrar que o extermínio de dois terços dos judeus da Europa em apenas 12 anos foi feito no maior silêncio e indiferença das nações, ao contrário do que se passa hoje em Gaza, onde o sofrimento palestiniano ecoa por todo o planeta sob o impacto dos holofotes mediáticos e é objecto de toda a comiseração e apoio dos mais variados organismos humanitários internacionais? Será necessário lembrar que a Cruz Vermelha de hoje, tão lesta a denunciar "o desastre humanitário" em Gaza, se calou bem caladinha durante o Holocausto? Não, os palestinianos não são os novos judeus. São simplesmente vítimas do mundo árabe que sempre os instrumentalizou, e dos seus próprios dirigentes, a começar pelo Hamas, para quem não passam de carne para canhão contra Israel.
Mas a verdade é que este tipo de acusações diz mais sobre quem as profere do que sobre os seus destinatários. Israel encarna a revolta contra o Holocausto e representa um obstáculo permanente aos que preferem esquecer a história. No mundo ocidental, a terrível questão "como foi possível?" continua a atormentar as consciências. E a melhor forma de se libertar da culpa não será convencer-se - através dessa falsa e hedionda analogia - de que afinal as vitimas de ontem são os carrascos de hoje?
Mais subtil é o argumento de que o povo judeu pelo seu sofrimento passado devia ter maior sensibilidade ao sofrimento alheio, maior aspiração à paz. Mas para os judeus e, em particular para Israel, a principal lição do Holocausto não é a paz a todo o custo, mas a obrigação de defender a sua existência, com unhas e dentes e pelos seus próprios meios, sem esperar nada de ninguém e muito menos compaixão. Coisa que a Europa não entende porque já esqueceu há muito...
Revelador de má consciência é o argumento também recorrentemente defendido que criticar Israel não é ser anti-semita. Miguel Esteves Cardoso tem razão quando afirma que "os judeus em geral hesitam em chamar anti-semita a quem critica o Governo de Israel". Não só porque, como ele refere, conhecem ou se lembram dos verdadeiros anti-semitas, mas porque esse é um debate interno a quem faz essas críticas e tem receio de ser considerado anti-semita. De facto, a crítica a Israel é natural e salutar tal como a crítica a qualquer governo. Que ela se possa exercer faz parte intrínseca da liberdade individual ou colectiva e pode até contribuir para a correcção de erros políticos. Mas este facto, por ser verdadeiro, não apaga o carácter realmente anti-semita de muitas manifestações e críticas contra Israel, e por vezes a fronteira entre uma e outra é muito ténue. Por exemplo, dizer que Israel tem contado "com a cumplicidade de grande parte do mundo, rendido ao poder do dinheiro" e que "a Palestina é que paga, em vidas, que é no mundo actual um valor bem mais desprezível que o dinheiro de Israel" (João Paulo Guerra), para além de absurda é, de facto, uma afirmação na melhor tradição do antijudaísmo medieval. Da mesma forma, acusar o Governo israelita de se comportar em Gaza "à semelhança do que faziam os nazis com os judeus fechados no gueto de Varsóvia", e de ser "hoje, de facto, o governo mais anti-semita à superfície da terra" (Fernando Nobre), para além de uma evidente falsidade histórica, não se pode dizer que seja propriamente filo-semita. E como nomear os inúmeros e-mails assassinos dirigidos às comunidades judaicas ou os atentados, em particular em França e na Bélgica, contra sinagogas, cemitérios e outros alvos judaicos? Ou a sistemática falsificação histórica, as referências ao "pecado original de Israel", ou seja, o pecado da sua criação? A fronteira é de facto muito ténue...
Isto leva-me à questão do chamado "campo da paz", ou seja, o campo de todos aqueles que, a coberto da palavra mais prezada hoje na Europa, acabam por favorecer a violência e a guerra. Hoje, é em nome da paz que se absolvem os verdadeiros causadores desta guerra - neste caso, o Hamas. É em nome da paz e dos direitos humanos que se concentram todos os ataques a Israel, esquecendo as ditaduras sanguinárias do Darfur ao Zimbabwe, os milhões de mortos vítimas do terrorismo islâmico da Argélia à Somália; é em nome da paz que se têm organizado as mais violentas manifestações, como a de Londres, em que um cartaz exigia a "Morte a todos os judeus". Concentrados na sua ira contra o "sionismo agressor" o dito campo da paz não vê que no próprio mundo árabe começa a emergir algum consenso sobre a necessidade de uma frente unida, incluindo Israel, contra um inimigo infinitamente mais perigoso: o Irão e as suas antenas terroristas, o Hezbollah e o Hamas. Não vêem que, para lá do sofrimento intolerável dos palestinianos, a grande lição desta guerra e a melhor forma de acabar com ela é derrotar o Hamas.

Investigadora em assuntos judaicos (esther.mucznik@netcabo.pt)

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